Acessibilidade / Reportar erro

Monitoramento do nível de estresse de atletas da seleção brasileira de basquetebol feminino durante a preparação para a Copa América 2009

Resumos

OBJETIVOS: 1) investigar a influência da periodização do treinamento de força sobre o perfil dos estados de humor e resposta do cortisol salivar; e 2) verificar a ocorrência do "perfil iceberg" em atletas da seleção brasileira de basquetebol feminino. MÉTODO: O estudo foi conduzido durante o período preparatório para a Copa América 2009, que incluiu três microciclos de treinamento de força com objetivos distintos (resistência muscular, força máxima e potência). As atletas forneceram amostras de saliva e, posteriormente, responderam o questionário short-POMS no início e ao final de cada microciclo. RESULTADOS: Após a ANOVA de medidas repetidas, não foram observadas diferenças para os estados de humor e a concentração de cortisol durante o período investigado. CONCLUSÃO: Os diferentes conteúdos do treinamento de força não afetaram os parâmetros investigados, indicando estabilidade do nível de estresse. O "perfil iceberg" foi verificado em todos os momentos avaliados.

treinamento de força; distúrbios de humor; cortisol


OBJECTIVES: 1) investigate the influence of strength training periodization on profile of mood state (POMS) and salivary cortisol responses and 2) to verify the occurrence of the "iceberg profile" in the Brazilian women basketball team. METHOD: The study was conducted during the preparation period for the 2009 AMERICAN CUP, which included three discrete microcycles of strength training goals (Muscular Endurance, Maximum Strength and Power). The athletes provided saliva samples and subsequently answered the short-POMS questionnaire at baseline and following each microcycle. RESULTS: ANOVA with repeated measures revealed no significant differences for mood state and cortisol responses during the observation period. CONCLUSION: The strength training periodization did not affect the salivary cortisol or mood state response in the lead up to competition, indicating stability of the stress level. The "iceberg profile" was observed at all times evaluated.

resistance training; mood disorders; cortisol


ARTIGO ORIGINAL

CLÍNICA MÉDICA DO EXERCÍCIO E DO ESPORTE

Monitoramento do nível de estresse de atletas da seleção brasileira de basquetebol feminino durante a preparação para a Copa América 2009

Ademir Felipe Schultz de ArrudaI; Alexandre MoreiraI; João Antonio NunesI; Luis ViveirosII; Dante de Rose Jr.III; Marcelo Saldanha AokiIII

IEscola de Educação Física e Esporte - Universidade de São Paulo

IIDepartamento de Ciências do Esporte - Comitê Olímpico Brasileiro

IIIEscola de Artes, Ciências e Humanidades - Universidade de São Paulo

Correspondência Correspondência: Marcelo Saldanha Aoki Escola de Artes, Ciências e Humanidades - USP Av. Arlindo Bettio, 1.000 03828-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: saldanha.caf@usp.br

RESUMO

OBJETIVOS: 1) investigar a influência da periodização do treinamento de força sobre o perfil dos estados de humor e resposta do cortisol salivar; e 2) verificar a ocorrência do "perfil iceberg" em atletas da seleção brasileira de basquetebol feminino.

MÉTODO: O estudo foi conduzido durante o período preparatório para a Copa América 2009, que incluiu três microciclos de treinamento de força com objetivos distintos (resistência muscular, força máxima e potência). As atletas forneceram amostras de saliva e, posteriormente, responderam o questionário short-POMS no início e ao final de cada microciclo.

RESULTADOS: Após a ANOVA de medidas repetidas, não foram observadas diferenças para os estados de humor e a concentração de cortisol durante o período investigado.

CONCLUSÃO: Os diferentes conteúdos do treinamento de força não afetaram os parâmetros investigados, indicando estabilidade do nível de estresse. O "perfil iceberg" foi verificado em todos os momentos avaliados.

Palavras-chave: treinamento de força, distúrbios de humor, cortisol.

ABSTRACT

OBJECTIVES: 1) investigate the influence of strength training periodization on profile of mood state (POMS) and salivary cortisol responses and 2) to verify the occurrence of the "iceberg profile" in the Brazilian women basketball team.

METHOD: The study was conducted during the preparation period for the 2009 AMERICAN CUP, which included three discrete microcycles of strength training goals (Muscular Endurance, Maximum Strength and Power). The athletes provided saliva samples and subsequently answered the short-POMS questionnaire at baseline and following each microcycle.

RESULTS: ANOVA with repeated measures revealed no significant differences for mood state and cortisol responses during the observation period.

CONCLUSION: The strength training periodization did not affect the salivary cortisol or mood state response in the lead up to competition, indicating stability of the stress level. The "iceberg profile" was observed at all times evaluated.

Keywords: resistance training, mood disorders, cortisol.

INTRODUÇÃO

Habitualmente, atletas são submetidos a elevadas cargas de treinamento, com o objetivo de incrementar o desempenho e alcançar os resultados competitivos desejados1. Além disso, os atletas estão sujeitos a diferentes fontes de estresse associadas não somente ao próprio treinamento esportivo, mas também a outros fatores, tais como a pressão pelos resultados, a interação e convivência diária com seus pares, comissão técnica, dirigentes, mídia, torcedores, família, entre outros. Portanto, é plausível assumir a partir desse cenário, que esses atletas estão expostos a diferentes agentes estressores de distintas magnitudes e que, portanto, o estresse desses indivíduos deve ser alvo de consideração e monitoramento durante o processo de preparação esportiva2.

Esses agentes estressores de diferentes naturezas podem promover alterações psicológicas e fisiológicas3. Por exemplo, a intensificação do treinamento (deliberada ou não), seja por mudança de intensidade, volume (quantidade) ou conteúdo, pode levar o atleta a experimentar sensações de fadiga aguda, alteração no padrão de sono, alimentação, problemas de concentração, alterações em respostas hormonais, alterações no estado de humor e imunossupressão4,5. Essas alterações no padrão de resposta do eixo psico-neuro-imuno-endócrino podem resultar em diminuição do rendimento esportivo4,5.

Considerando que o nível de estresse, relacionado com o complexo processo do treinamento esportivo, modula diversas respostas orgânicas, é fundamental o monitoramento dessas respostas a fim de maximizar as chances de sucesso competitivo6. Entre as diversas estratégias de monitoramento do nível de estresse dos atletas e suas respostas associadas, destacam-se os questionários de autoanálise.

Um dos questionários mais utilizados e reportados na literatura é o denominado POMS (profile of mood states)7. Morgan et al.8 investigaram a sensibilidade e a utilidade do POMS, no tocante ao monitoramento do treinamento esportivo. Esse estudo clássico despertou o interesse de outros pesquisadores do esporte, que o aplicaram com diferentes finalidades, utilizando delineamentos variados9-11.

O POMS avalia diferentes estados de humor e a partir deles é formada uma escala global de humor. Além disso, o denominado "perfil iceberg", caracterizado por alto valor da subescala positiva e baixos valores das subescalas negativas, é esperado em uma população de atletas8. As alterações no "perfil iceberg", nos valores de cada subescala e na escala global de humor têm sido amplamente associadas ao aumento de estresse advindo de manipulações de variáveis utilizadas na organização do processo de treinamento esportivo, como, por exemplo, a intensidade10,12, o volume11, ou a combinação de ambas13,14.

Outra forma de monitorar a magnitude do estresse no âmbito esportivo é através do acompanhamento das respostas hormonais. Entre os diversos hormônios, o cortisol é um dos principais marcadores fisiológicos utilizados para este objetivo. Uchida et al.15 reportaram queda na concentração de repouso do cortisol após oito semanas de treinamento de força em mulheres fisicamente ativas. Segundo os autores, essa alteração indica ocorrência de uma adaptação ao treinamento de força que poderia favorecer ao anabolismo proteico. Diferentemente dos achados reportados por Uchida et al.15, Moreira et al.16 observaram incremento na concentração do cortisol salivar em repouso após quatro semanas de treinamento, ao longo de um período competitivo, em jogadores de basquetebol. Essa resposta foi associada aos marcadores de tolerância ao estresse e à maior incidência de infecções do trato respiratório superior, sugerindo aumento do nível de estresse nesse momento da investigação.

Ademais, Filaire et al.3 realizaram o monitoramento concomitante do cortisol e dos estados de humor, e reportaram aumento na concentração de cortisol, no mesmo momento em que foi verificado incremento nas subescalas negativas tensão, depressão, raiva e fadiga, e queda na subescala positiva vigor, demonstrando a congruência entre as alterações nos estados de humor e na concentração do cortisol. Estes achados sugerem a associação entre fatores psicofisiológicos ao longo da temporada competitiva.

Apesar do crescente interesse no monitoramento das alterações psicofisiológicas em atletas de elite, não existem relatos prévios sobre o impacto de diferentes conteúdos de treinamento de força sobre essas alterações durante a preparação para competição. Assim, os objetivos do presente estudo foram: 1) investigar a influência da periodização do treinamento de força sobre o perfil dos estados de humor e resposta do cortisol salivar; e 2) verificar a ocorrência do "perfil iceberg" em atletas da seleção brasileira de basquetebol feminino. O presente estudo apresenta a hipótese de que os diferentes conteúdos do treinamento de força promoveriam diferentes respostas sobre o perfil dos estados de humor e a concentração de cortisol.

MATERIAIS E MÉTODOS

Sujeitos

A amostra foi composta por 12 atletas voluntárias do sexo feminino (26,2 ± 3,9 anos, 183,1 ± 9,8 cm, 74,5 ± 10,1 kg) que compunham a seleção brasileira de basquetebol feminino, em preparação para a Copa América 2009. As atletas participaram, durante a temporada que antecedeu a preparação para a Copa América 2009, de ligas nacionais em diferentes países e treinavam em torno de dez a 12 sessões semanais. Todas as participantes foram informadas dos riscos envolvidos no estudo e assinaram um termo de consentimento aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEFE USP (2008/37).

Delineamento experimental

A investigação buscou comparar as respostas dos estados de humor e do cortisol salivar de atletas de elite do sexo feminino para três diferentes conteúdos de treinamento de força na etapa preparatória para a Copa América 2009. As atletas forneceram amostras de saliva e, posteriormente, responderam o questionário POMS-reduzido em quatro diferentes momentos ao longo dos 40 dias de preparação. O primeiro momento de coleta de dados ocorreu no início da etapa preparatória, um dia após a apresentação das atletas (Início). As outras três coletas foram realizadas após o último dia de treinamento referente a cada conteúdo específico: resistência muscular (RM), força máxima (Força) e potência (Potência) (figura 1).


Planejamento do conteúdo do treinamento de força

O planejamento de cada conteúdo foi baseado em recomendações prévias17 e adaptado para a população do estudo. Na fase de RM foram realizadas duas a quatro séries de 12 a 20 repetições com carga de 50-60% de uma repetição máxima (1-RM) e um minuto de recuperação entre as séries. No período de Força, foram realizadas três a cinco séries de 1 a 5-RM distribuídas em forma de pirâmide (uma série de 5-RM, uma de 4-RM, uma de 3-RM, uma de 2-RM, e uma de 1-RM) com três minutos de intervalo em cada série. No conteúdo Potência, foram realizadas três a seis séries de 6 a10 repetições (com máxima velocidade) utilizando 50% de 1-RM, com três minutos de descanso entre as séries.

Procedimentos de coleta e análise das amostras de saliva

As coletas se deram às 7:30 h, com as atletas em jejum, no início e após o desenvolvimento de cada microciclo particular, com diferentes conteúdos desenvolvidos em cada um deles, sempre posteriormente a um dia completo de repouso. A saliva foi coletada e armazenada em tubos esterilizados e estocados a - 80ºC até a análise. O ensaio para análise salivar de cortisol foi realizada com utilização de kit comercial (Salivary Cortisol EIA kit, DSL©), seguindo suas instruções. O coeficiente de variação interanálise esteve entre 2,5 e 7,8%, baseado na maior e menor amostra analisada. As amostras de cada participante foi analisada no mesmo ensaio, para evitar a variação interensaios.

Questionário de perfil de estados de humor (POMS)

Foi utilizada uma versão reduzida e adaptada para a língua portuguesa18 do original, desenvolvido por McNair et al.7 Nessa versão adaptada, há uma autoavaliação de cada atleta a respeito de 42 itens, em uma escala de cinco pontos, na qual 0 representa "nada" e 4 "extremamente". Avalia-se seis diferentes estados de humor, sendo cinco negativos (tensão, depressão, raiva, fadiga e confusão) e um positivo (vigor). A escala global de humor consiste na soma das cinco subescalas de humores negativos seguida da subtração do humor positivo, seguida da soma de 100 pontos, com intuito de manter valores positivos para análise posterior, conforme proposto por Morgan et al.8 Assim, quanto maior o valor atingido, maior a perturbação no estado global de humor de cada atleta. Para direcionar as respostas, foi dada a instrução para que as atletas respondessem "como elas se sentiam na última semana, incluindo hoje" conforme procedimento indicado por Berger et al.19.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Inicialmente, foram utilizados os testes de normalidade e homoscedasticidade a fim de se observar a distribuição e sua homogeneidade. Uma analise de variância (ANOVA) com medidas repetidas foi utilizada para verificar as diferenças no estado de humor global e nas seis subescalas para os quatro momentos analisados, assim como para os valores de concentração do cortisol, seguido do procedimento post hoc de Bonferroni, se necessário. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Na tabela 1 são apresentados os valores absolutos de cada subescala do POMS e da escala global de humor (adicionando-se 100), considerando a média e o desvio padrão em relação ao grupo, em cada um dos quatro momentos. Nenhuma diferença significante foi encontrada, tanto para cada uma das subescalas quanto para o estado global de humor entre os momentos (p ≥ 0,05).

Foi observado o "perfil iceberg" - altos valores para a subescala positiva (vigor) e baixos valores para as subescalas negativas (tensão, depressão, raiva, fadiga e confusão) em todos os momentos (figura 2).


A variação da concentração de cortisol salivar, no início da etapa e após os microciclos de treinamento de força caracterizados por diferentes conteúdos (Início, RM, Força e Potência), não apresentou nenhuma mudança significante entre momentos avaliados (p ≥ 0,05) (figura 3).


DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi investigar a influência de diferentes conteúdos de treinamento de força sobre os estados de humor e resposta do cortisol salivar. Outro objetivo adicional deste estudo foi verificar a ocorrência do "perfil iceberg" em atletas da seleção brasileira feminina de basquetebol. Os principais achados da investigação foram: a) a estabilidade dos indicadores de estresse, tanto o psicológico (estados de humor) quanto o fisiológico (hormonal) ao longo de toda a etapa preparatória, independente do conteúdo de treinamento de força imposto às atletas; e b) a ocorrência do "perfil iceberg" para essa população, bem como a sua manutenção em todos os momentos investigados.

A estabilização nos estados de humor das atletas no período preparatório encontrada no presente estudo está em concordância com os achados de Faude et al.13 e Rietjens et al.14, apesar das diferenças no delineamento experimental entre as investigações. Rietjens et al.14 demonstraram que, a despeito do incremento no volume e na intensidade de treinamento de ciclistas por duas semanas, as respostas para o questionário POMS não foram diferentes entre os três momentos (início, final da primeira semana e final da segunda semana de investigação). Nesta investigação o questionário foi respondido diariamente e os valores médios de cada semana retidos para a análise.

Adicionalmente, Faude et al.13 também não observaram diferença para os estados de humor em seu delineamento com nadadores profissionais que passaram por duas semanas de intensificação e uma de polimento (tapering). Ao final de todas as três etapas (duas de intensificação e uma de tapering), o questionário POMS foi preenchido. Não foi reportada nenhuma diferença significante para os estados de humor, para nenhum dos dois grupos, entre os momentos analisados. Esses achados de Faude et al.13, adicionados aos resultados do presente estudo e aos reportados por Rietjens et al.14, sugerem que o perfil de humor permanece estável, independente das manipulações relacionadas com as variáveis do treinamento, em atletas de diferentes modalidades e com distintas abordagens.

Entretanto, Berger et al.19 reportaram queda do estado global de humor de ciclistas após três semanas de intensificação da carga de treinamento, seguida de melhora após duas semanas de tapering. Nesse mesmo sentido, em estudo utilizando triatletas, Margaritis et al.20 observaram melhora no estado global de humor entre o início do período de polimento (tapering) e após duas semanas de sua implementação.

Portanto, fica evidente a divergência dos resultados reportados na literatura em relação ao comportamento dos estados de humor em atletas, no período preparatório. Entretanto, essa variação parece estar, em geral, associada à manipulação das variáveis do treinamento (volume e/ou intensidade) implementada de diferentes formas e em modalidades distintas. Nesse sentido, considerando suas particularidades, o presente estudo mostrou não haver modificação nos estados de humor no período preparatório, quando apenas o conteúdo do treinamento de força foi manipulado.

Além da utilização convencional, realizada por períodos mais longos, o questionário POMS também vem sendo utilizado para investigar alterações agudas do estado de humor. Por exemplo, Rebustini et al.12 reportaram alteração do estado global de humor ao comparar os valores pré e pós sessão de treinamento de alta intensidade. Nesse mesmo sentido, Kenttä et al.11, em estudo com intensificação de treinamento com caiaquistas, apresentaram dados a partir do que denominaram "energy index", resultado da subescala vigor menos a subescala fadiga. Foi relatada queda do energy index em todos os comparativos realizados entre início vs. final do dia de treinamento intensificado11.

Levando-se em consideração os achados de Kenttä et al.11 e os resultados do presente estudo, parece ser desejável e pertinente a realização de estudos futuros que investiguem o perfil dos estados de humor antes e após uma sessão de treinamento com diferentes conteúdos do treinamento de força. Essas respostas agudas poderiam levantar informações adicionais sobre o impacto do conteúdo do treinamento de força nos estados de humor, ou ainda, em determinadas subescalas específicas, como o vigor e a fadiga.

Com relação à resposta hormonal, não foi verificada diferença entre o nível basal do cortisol após os microciclos com diferentes conteúdos do treinamento de força, resultado distinto do apresentado por Uchida et al.15, que reportaram diminuição no valor de cortisol em repouso após oito semanas de treinamento de força de mulheres fisicamente ativas. Possivelmente, o nível de treinamento da amostra (mulheres fisicamente ativas vs. atletas de elite) tenha sido o principal diferencial para explicar este conflito entre os resultados, já que estas atletas de elite são frequentemente submetidas a programas de treinamento de força. Essa constante exposição ao treinamento de força possivelmente promove adaptações, minimizando as respostas ao estresse.

Filaire et al.9 realizaram um experimento com uma modalidade coletiva, e, assim como no presente estudo, observaram que os estados de humor e o nível de cortisol foram mantidos estáveis, não apresentando diferença nos valores antes e após a intensificação do treinamento de futebolistas profissionais. Porém, neste mesmo estudo, há relatos de queda no vigor, aumento de tensão e depressão no momento de pior rendimento dos atletas, mensurado pelos autores através do aumento percentual das derrotas no período. Em estudo posterior, Filaire et al.3 reportaram resultados muito semelhantes, porém, além da queda no vigor, aumento da tensão e depressão, houve também aumento na subescala raiva e aumento do nível basal de cortisol salivar no momento com maior percentual de derrotas.

Estes resultados destacam a importância e o impacto da competição nas respostas psicofisiológicas em atletas de modalidades coletivas. Os estudos parecem indicar que mesmo nos delineamentos com intensificação do treinamento, a resposta psicofisiológica não é severamente afetada. No entanto, quando os atletas se defrontam com o ambiente competitivo, houve aumento na concentração de cortisol salivar e descaracterização do "perfil iceberg"3,9.

Essa resposta ao estresse da competição também se manifesta de forma aguda. Em seu estudo, Gonzales-Bono et al.21, por exemplo, apresentam as respostas dos estados de humor (POMS) e alterações hormonais após uma partida oficial de basquetebol. Foi observado incremento do cortisol no time vencedor e a vitória do time foi correlacionada com o aumento do vigor (r = 0,79). Adicionalmente, foi verificada descaracterização do "perfil iceberg" no pós-jogo para os perdedores.

Esses achados reafirmam a relevância da abordagem integrada de monitoramento do treinamento, utilizando instrumentos psicométricos (ex.: questionário POMS) em conjunto com parâmetros fisiológicos (ex.: concentração de cortisol).

Considerando que os resultados reportados na literatura, sugerindo que o período competitivo provoca maior alteração psicofisiológica nos atletas, o monitoramento nessa etapa pode sugerir pequenas modificações no planejamento com intuito de reestabelecer a condição psicofisiológica ideal do atleta. Esse tipo de acompanhamento pode favorecer o desempenho máximo do atleta, que, em última instância, é o objetivo principal de todo o processo de preparação esportiva.

O "perfil iceberg" é frequentemente observado em atletas de elite, sendo utilizado como indicador de "saúde mental"8. Os achados do presente estudo reforçam a sua existência, corroborando a hipótese inicial de que as atletas investigadas neste estudo apresentariam essa característica.

Ademais, na presente investigação, as atletas apresentaram estabilidade no "perfil iceberg", quando comparados os momentos inicial e os demais analisados no estudo. Esse achado também tem sido demonstrado na grande maioria dos estudos com atletas3,11,13. Apesar do relativo consenso em relação aos resultados dos estudos citados, recentemente, Hadala et al.10 mostraram escores elevados das subescalas raiva e tensão em velejadores, quando se defrontaram com uma situação pré-competitiva, descaracterizando dessa forma o "perfil iceberg". Mais uma vez fica evidenciada a influência da pressão por resultados nos estados de humor de atletas, que, nesse caso, sinalizaram que a alteração pode ocorrer de forma antecipada à competição. Esses resultados indicam a necessidade de estudos adicionais sobre o monitoramento em diferentes fases da temporada e em diferentes modalidades esportivas.

CONCLUSÃO

Os diferentes conteúdos do treinamento de força, utilizados na fase de preparação para a competição, não afetaram os estados de humor e a resposta do cortisol salivar, indicando estabilidade do nível de estresse das atletas. Os resultados mostram a ocorrência do "perfil iceberg" no presente estudo em todos os momentos avaliados. A maioria das evidências disponíveis sugere que essas respostas dos estados de humor e hormonais sofrem maior alteração durante a competição; portanto, seria de grande valia a investigação das mesmas durante as competições.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1. Moreira A, Borges TO, Koslowski AA, Simões AC, Barbanti V. O comportamento do esforço percebido, fontes e sintomas de estresse e inflamação do trato respiratório superior em atletas de elite de canoagem de velocidade durante 7 semanas de treinamento. Rev Bras Educ Fis Esporte 2009;23:355-63.
  • 2. Lazarus RS. Stress and emotion: a new synthesis. New York: Springer, 1999.
  • 3. Filaire E, Lac G, Pequignot JM. Biological, hormonal, and psychological parameters in professional soccer players throughout a competitive season. Percep Mot Skills 2003;97:1061-72.
  • 4. Meeusen R, Duclos M, Gleeson M, Rietjens G, Steinacker J, Urhausen A. Prevention, diagnosis and treatment of the overtraining syndrome. Eur J Sports Sci 2006;6:1-14.
  • 5. Nederhof E, Zwerver J, Brink M, Meeussen R, Lemmink K. Different diagnostic tools in nonfunctional overreaching. Int J Sports Med 2008;29:590-7.
  • 6. Halson SL, Jeakendrup AE. Does overtraining exist? An analysis of overreaching and overtraining research. Sports Med 2004;34:967-81.
  • 7. McNair DM, Lorr M, Droppleman L. Manual for the Profile of Mood States. San Diego: Educational and Industrial Testing Service, 1971.
  • 8. 8. Morgan WP, Brown DR, Raglin JS, O'Connor PJ, Ellickson KA. Psychological monitoring of overtraining and staleness. Br J Sports Med 1987;21:107-14.
  • 9. Filaire E, Bernain X, Sagnol M, Lac G. Preliminary results on mood state, salivary testosterone: cortisol ratio and team performance in a professional soccer team. Eur J Appl Physiol 2001;86:179-84.
  • 10. Hadala M, Cebolla AS, Baños R, Barrios C. Mood profile of an america's cup team: relationship with muscle damage and injuries. Med Sci Sports Exerc 2010;42:1403-8.
  • 11. Kenttä G, Hassmén P, Raglin JS. Mood state monitoring of training and recovery in elite kayakers. Eur J Sport Sci 2006;6:245-53.
  • 12. Rebustini F, Calabresi CAM, Silva AB, Machado AA. Efeito imediato de duas intensidades de treinamento sobre os estados de humor em jovens jogadores do sexo feminino. Lec Ed Fis Deportes 2005;10:80. Disponível em: (http://www.efdeportes.com). Acesso em: 2 de julho de 2010.
  • 13. Faude O, Meyer J, Scharhag F, Urhausen A, Kindermann W. Volume vs. intensity in the training of competitive swimmers. Int J Sports Med 2008;29:906-12.
  • 14. Rietjens GJ, Kuipers H, Adam JJ, Saris WH, Van Breda E, Van Hamont D, et al. Physiological, biochemical and psychological markers of strenuous training-induced fatigue. Int J Sports Med 2005;26:16-26.
  • 15. Uchida MC, Bacurau RFP, Navarro F, Pontes Junior FL, Tessuti VD, Moreau RL et al. Alteração da relação testosterona: cortisol induzida pelo treinamento de força em mulheres. Rev Bras Med Esporte 2004;10:165-8.
  • 16. Moreira A, Arsati F, Lima-Arsati YBO, Simões AC, De Araújo VC. Monitoring stress tolerance and occurrences of upper respiratory illness in basketball players by means of psychometric tools and salivary biomarkers. Stress Health 2011;27:e166-72.
  • 17. Kraemer WJ, Adams K, Cafarelli E, Dudley GA, Dooly C, Feigenbaum MS, et al. Progression models in resistance training for healthy adults. Med Sci Sports Exerc 2002;34:364-80.
  • 18. Viana MF, Almeida PL, Santos RC. Adaptação portuguesa da versão reduzida do perfil de estados de humor - POMS. Análise Psicológica 2001;1:77-92.
  • 19. Berger BG, Motl RW, Butki BD, Martin DT, Wilkinson JG, Owen DR. Mood and cycling performance in response to three weeks of high-intensity, short-duration overtraining, and a two-week taper. Sport Psychol 1999;13:444-57.
  • 20. Margaritis I, Palazzetti S, Rousseuau AS, Richard MJ, Favier A. Antioxidant supplementation and tapering exercise improve exercise-induced antioxidant response. J Am Coll Nutr 2003;22:147-56.
  • 21. Gonzales-Bono E, Salvador A, Serrano MA, Ricarte J. Testosterone, cortisol, and mood in a sport team competition. Horm Behav 1999;35:55-62.
  • Correspondência:
    Marcelo Saldanha Aoki
    Escola de Artes, Ciências e Humanidades - USP
    Av. Arlindo Bettio, 1.000
    03828-000 - São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013
    Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: atharbme@uol.com.br